A ARTE CONTEMPORÂNEA AINDA EXISTE?

Abreu Pessegueiro
Porto, Janeiro 2020

Há 4 anos, em 2017, a chamada “Arte… Contemporânea” fez aninhos. Esta “linda menina” não é tão jovial quanto isso: ela já fez 100 anos!

Lembro que Marcel Duchamp queria apresentar na grande exposição de Nova York em 1917, um mictório, comprado numa qualquer loja de materiais de construção, grosseiramente assinou a preto com o pseudónimo R.Mutt e chamou-lhe “A Fonte”. Foi uma provocação imediatamente rejeitada pelo júri de selecção por falta de labor plástico.

Contudo, a ideia foi notável: a de atribuir um significado novo a qualquer objeto de uso corrente, não implicando necessariamente uma operação plástica que modela o objeto de arte. Aqui o objecto vive unicamente pela ideia e não pela operatividade do artista. Chamar-se-à mais tarde, de “Ready-made”. A utilização de objetos de uso comum descontextualizados, e expostos numa galeria ou num museu sacralizado atribui um e novo significado a esses objetos. O propósito é o de refletir na essência da arte como ideia: mais importante do que emocionar é interrogar o observador mesmo que se recorra à provocação. Sublinho que Marcel Duchamp afirmou que “o grande inimigo da arte é o bom gosto”.

“A Fonte” ou o vulgar mictório de pernas para o ar (como se queira entender) foi então promovido a peça clássica, hoje assimilada e exposta no Museu Nacional de Arte Moderna de Paris. Será a primeira obra de arte conceptual. Já não cumpre a sua função porque já não nos provoca. Depois disso milhares se lhe seguiram, algumas despropositadamente.

Isto foi há mais de 100 anos e o que não percebo é que se continua a chamar de “Arte Contemporânea” a algumas coisas que hoje são produzidas. Só algumas coisas, naturalmente!

O que não percebo é que, passados quase 100 anos após a criação dos primeiros objetos de “arte conceptual”, algumas pessoas “responsáveis” fiquem boquiabertas perante objetos que já não admiram, não surpreendem, não provocam, porque são iguais a muitos outros feitos há muito pelas chamadas vanguardas que também já não existem!

Contudo, a provocação de Duchamp não foi menos séria, basta estudar o seu percurso que o levou ao “Dadaísmo”. Foi um percurso coerente, nunca gratuito, quer do ponto de vista teórico, quer do ponto de vista oficinal.

Concluiremos que a arte contemporânea, nos seus pressupostos conceptuais já não existe! É um mito! Acabou há mais de 100 anos! E contudo, o ser humano continua a emocionar-se na presença do belo.

Chamemos-lhe outra coisa qualquer! Talvez lhe devêssemos chamar coisas diferentes todos os anos, talvez todos os meses, e porque não todos os dias? Uma atividade interessante para alguns Museus e Galerias que se chamam de Arte Contemporânea…

Ou então, chamemos à arte que hoje se faz de Arte Odierna, Arte de Hoje, Arte de Agora. Só uma coisa é certa: nas suas imensas expressões e correntes, a produção artística de hoje não tem vanguardas. Ou tem qualidade ou não a tem e ninguém é detentor de uma verdade absoluta nessa apreciação. Ou nos emociona ou mantém-nos indiferentes. Tudo pode e deve ser discutido, desde que com sensibilidade estética e conhecimento da teoria e prática das artes visuais!

O importante é que não se queira impor o gosto como elemento segregador e se classifique de ignorante e estúpido um público que não entende esse gosto ou que simplesmente ousa dizer que não gosta. Melhor será promover uma educação artística integradora. É uma pena que a educação artística esteja cada vez mais arredada dos curricula dos ensinos básico e secundário em Portugal.