ARTE PÚBLICA

Abreu Pessegueiro
Março, 2021

Completam-se agora 26 anos, Abril 1995, a data em que publiquei na “Arte ao Norte” alguns textos sobre Arte Pública. Aí, procurei explicar a natureza desta expressão plástica e as suas múltiplas facetas; também divulguei alguns projectos encomendados pela Câmara de Matosinhos, ainda no papel. Alguns deles, entretanto, viram a luz do dia. Os autores convidados a apresentar projectos foram Zulmiro de Carvalho, José Rodrigues, Gustavo Bastos, Artur Moreira e António Modesto. Seria interessante voltar a refletir sobre este assunto específico, pois as peças construídas nem sempre foram executadas nos locais inicialmente previstos.

Mas voltemos ao tema da Arte Pública que sempre achei da máxima importância, dado que é a forma de arte mais democrática, mais acessível ao cidadão e que nos é imposta: todos os que circulam no espaço público a ela têm acesso; por isso se diz que é a forma mais eficaz de socializar a arte. Na expressão de Eduardo Chilida, “Qual a diferença entre uma escultura para um museu e uma obra de arte pública? Numa conferência de imprensa um artista meu amigo, grande defensor do “múltiplo”, interpelou-me perguntando como é que eu julgava dever orientar a arte para um maior número de pessoas. Respondi-lhe que, mais importante que multiplicar a obra, era a necessidade de multiplicar os proprietários da obra. Dizendo isso, compreendi o que desejava fazer era Arte Pública”.(fig.1)
Claro que existem muitas outras formas socializar a arte, dar à fruição da obra de arte ao maior número de pessoas: da arte múltipla da velha litografia, xilogravura, água-forte ou ponta seca, à serigrafia e vídeo e, num conceito mais alargado de obra de arte, todos os mídea, da televisão ao design e às redes da internet que tenham preocupações estéticas, tudo isso democratiza a arte, sem que disso tenhamos consciência.

Também nos anos 90, fui correspondente do ISELP, Institut Supérior pour L’Etude du Langage Plastique de Bruxelas para o levantamento de Obras de Arte Pública em Portugal. Este instituto desenvolveu na altura, uma pesquisa e divulgação muito sistemática sobre o que se fazia no mundo e, principalmente, na Europa. Publicava a revista “Environnemental” em bilingue (francês e inglês).
Além de responder a um inquérito sobre o assunto, limitei-me a fazer o levantamento sobre o que mais recentemente se havia feito em Portugal e não tive muito trabalho: estávamos ainda muito incipientes e havia pouca obra. O País era pobre e os políticos não achavam prioritário encomendar aos artistas obras de Arte Pública, naturalmente, para além de alguns bustos e esculturas de homenagem a personalidades destacadas.
Sempre foi assim: para que serve a Arte Pública? Sendo quase sempre por encomenda do Estado ou duma empresa, os objectivos mais recorrentes são para enaltecer um episódio ou uma personagem. Muito raramente, os promotores mandam construir objectos de Arte Pública só para deleite estético da população.

No século XIX, na Europa e na América, nomeadamente a estatuária, pontua o espaço público das grandes cidades. Também a grande arte mural é relevante, geralmente carregada de significado ideológico, como por exemplo no México com os pintores Diego de Rivera, Clemente Orozco, David Siqueiros ou, na Noruega, a maioria com a ancestral técnica do fresco.

Aqui em Portugal, o objecto de Arte Pública tem, naturalmente, como primeira função, recordar e enaltecer um episódio histórico ou uma personagem e nunca a emoção estética por si só. (fig. 2)
Grandes conjuntos escultóricos de tradição clássica foram feitos em Lisboa e Porto. Não esquecer que nos séculos XIX e XX os autores desses conjuntos eram arquitectos e escultores a trabalhar em equipe. De resto, já na primeira metade do século passado, nas Belas Artes, havia uma cadeira de “Conjugação das 3 Artes” em que três estudantes, respectivamente de Escultura, Pintura e Arquitectura, tinham que apresentar uma proposta subordinada a um tema.
Aqui, como lá fora, a Arte Pública sujeitava-se a um tema e sacrificava a liberdade criativa do artista.

Importa referir que as construções do Estado, tinham uma rubrica orçamental de 0,7% para a introdução de obras de arte (escultura, murais em fresco, tapeçarias, etc). Veja-se o exemplo dos Palácios da Justiça. Tudo entrou no esquecimento!

Em meados do Séc. XX, aqui em Portugal, há um caso notável e diferente do habitual: o Metropolitano de Lisboa, quando à semelhança de Viena (Otto Wagner, 1898), Paris (Hector Guimard, 1900) ou Moscovo (1935) onde se procura criar espaço de arte, existem multidões a circular.
O arquitecto Keil do Amaral projectou as primeiras estações. Tudo começou na década de 50 pelos azulejos padronizados com desenho de Maria Keil, na boa tradição da Cerâmica Viúva Lamego, sem figuração.
Interessante a afirmação da própria Maria Keil: “…não me deixei cair na tentação do azulejo para enfeitar. Tudo o que tenho feito é para integrar numa determinada construção, num todo…” A importância desta afirmação está exactamente no facto da preocupação com a integração. Quase todas as iniciativas municipais ou do estado central são desprovidas desse sentido. Hoje, o artista limita-se de forma individual a intervir num espaço pré-existente, sem grandes cuidados de integração, sem qualquer sentido de equipe que uma obra de arte pública perene deveria exigir. Mas existem honrosas excepções: recordo, por exemplo, as intervenções de Eduardo Nery em diálogo com as obras de arquitectura. (fig. 3 e 4)

A Arte Pública perene, ao contrário de uma pintura de cavalete ou de uma escultura amovível, tem a ver com o Lugar. Por isso, hoje fala-se em “Environnemental Art” porque o objecto interage com o espaço envolvente, como na obra de arquitectura. Essa integração não é necessariamente mimética em relação ao lugar. Deve “ter escala” e “ter personalidade”: impor-se, mas em diálogo com o lugar.
Não é necessariamente urbana. Pode dialogar com a paisagem natural sob a forma de “Land Art” e nessa área há obras sublimes.

Será que a arte efémera de uma instalação ou de um happening podem ser entendidas como obra de Arte Pública? Com certeza. Neste caso é admissível a ruptura, o protesto e até a agressividade do criador porque tais obras não perdurarão no tempo e todos sabemos que serão efémeras! E o ruido se desvanecerá!