ESCULTURA PERTURBADORA

Abreu Pessegueiro
Porto, Janeiro 2020

Agora que o pó das emoções pousou, volto a referir a escultura “Linha de Mar” situada na Marginal de Leça da Palmeira da autoria de Pedro Cabrita Reis (PCR), concretizando melhor a minha avaliação negativa desta obra de “arte pública”.

Muita polémica se criou, nomeadamente quanto ao valor pago pela Câmara Municipal de Matosinhos (307.000 euros). Diria mesmo que, para muita gente, a importância da peça é directamente proporcional ao valor pago ao artista. Estou mesmo convencido que, doutra forma, a maioria das pessoas nada lhe ligaria e, por si só, a “escultura” seria irrelevante.

Mas vale a pena questionarmo-nos sobre a qualidade da intervenção feita.
Não aceito que, este ou qualquer outro artista seja inquestionável, só porque tem “a credibilidade de agentes culturais de todo o mundo”. Não caberia na cabeça de pessoas minimamente inteligentes e livres, que não pudessem ser questionadas as obras de artistas “sacralizados pelos críticos”.

Quais são então os meus argumentos para avaliar negativamente o que ali foi feito?

A peça perturba o lugar onde foi colocada? Claro que sim! Teve em conta o contexto? Claro que não!

Trata-se de uma obra de arte pública perene que deveria ser “negociada” com outros intervenientes do espaço urbano, nomeadamente com quem projectou a requalificação urbana da marginal em 2005 e que foi nada mais, nada menos que o Arquitecto Álvaro Siza.

Quando percorremos a marginal, lemos a calma de um desenho, marcado pela horizontalidade de todos os elementos: Da Piscina das Marés, passando pelo equipamento, pelos muros, até à Casa de Chá da Boa Nova.
Mesmo os posteriores equipamentos de praia têm uma volumetria que não altera essa qualidade.

O que vemos agora? Em clara ruptura, esta intervenção perturba a perspectiva dos passeios e área verde: interpõe-se, deixamos de vislumbrar um ponto de fuga.
Trata-se de uma obra de “arte publica” cuja localização usurpou o contexto, por incompetência ou por soberba necessidade de afirmação, por falta de humildade! Esta obra não se trata de uma “arte performativa” nem de “body art”. Perturba permanentemente!
Se foi essa a intenção de PCR, lamento-o profundamente, porque uma coisa é perturbar no espaço do museu (ver a sua exposição em Serralves) ou ou mesmo, perturbar no espaço público de forma efémera. Tudo isso até seria admissível.
Outra bem diferente, é perturbar em permanência um espaço público, consolidado, cheio de poesia, adulterando o espírito com que este foi desenhado.
O que vemos ao longe é um emaranhado de ferros brancos, sem uma estrutura definida que corta a leitura de continuidade de um percurso que se queria limpo.

Mas aproximemo-nos da “escultura”, in-loco. Não nos fiquemos por fotografias compostas pelas sombras do poente. Vamos ao local! Entremos na peça:
10 perfis em “I” pousados na relva, em “zig-zag”, sobre cada um dos quais, 4 ou 5 perfis verticais em altura variável.
Se fosse um “pisa papeis” eu diria que era fraca a ideia!
Mas não: é grande e, assim sendo, a ideia piora!

Dali não se vislumbra qualquer qualidade de equilíbrio ou ruptura; de tensão ou movimento; de ritmo ou de infrequência; de força ou suavidade; mas o que é isso para PCR? Qualidades de um “romantismo anacrónico”?

E nada tem a ver com o seu título, “Linha de Mar”, além do mais, porque ali nada é linear: é simplesmente horror ao vazio sem nada acrescentar a um espaço que tinha a sua beleza

Seja como for, a “escultura” é fraca! Por si só, não “aquece nem arrefece”: Seria inócua, não provocaria nem perturbaria se estivesse escondida.

Só espero que a mudem de lugar!

Também espero que a Câmara Municipal mude o seu paradigma de política cultural, porque se a arte pública é louvável uma forma de socializar a arte, não é com atitudes como esta que se conquista a população para um aumento de consumo cultural e artístico.