… NA ÉPOCA DAS ROTUNDAS!

Abreu Pessegueiro
Matosinhos, 2 de Abril, 2021

Passados alguns anos de Poder Local, quando havia dinheiros europeus para gastar em renovação urbana, eram muitas as Câmaras que rasgavam ruas e construíam parques e fontanários com repuxos.

As rotundas foram a receita urbanística recorrente para a fluidez do transito automóvel nos cruzamentos viários. Havia cidades e vilas com uma infinidade delas, mesmo que não houvesse transito nem casas. Um exercício interessante era ver quem tinha mais rotundas. Quem não se recorda de S. João da Madeira?

Claro que as rotundas vazias, perante tanta necessidade de mostrar obra, não era solução. Havia que mandar fazer as mais variadas esculturas, muitas das vezes com a prata da casa, outras, fazendo encomendas directas, de preferência a amigos do partido no poder, outras, abrindo concurso. Algumas rotundas com esculturas eram o cenário perfeito para fotografias do casal em dia de casamento.

Em muitos casos, as soluções são muito más e até hilariantes, tudo em sintonia com o nível de gosto do autarca que promove a obra para inaugurar com fanfarra, foguetes e a indispensável tabuleta a recordar o momento. Quem não se lembra da minhoca ou do relógio de pulso em Albufeira?

As obras de arte também contribuem para responder ao “horror ao vazio” que tanta rotunda provocava nos líderes autárquicos. Pela minha parte também contribui:

  

Quando há dias, vasculhava nos arquivos mais antigos, descobri um trabalho que fiz com o José António Nobre (Escultor) para Concurso Sécil de 1994. Neste caso, não só não ganhámos concurso nenhum, como a solução ganhadora (que não me lembro se chegou a haver) também não viu a luz do dia. Hoje, nesse local, bem no meio da placa da rotunda encontra-se um enorme candeeiro de iluminação pública! Tudo se esfumou nos dias da crise que entretanto, e ciclicamente, apareceu.

Passados quase 30 anos, concluo que a nossa peça tinha força. Impunha-se como marco urbano. O tempo é essencial na avaliação das soluções. As boas obras perduram no tempo.

Não resisto em transcrever partes da Memória Descritiva, nomeadamente para que se entenda uma escultura em Arte Pública não é o mesmo que um “pisa-papeis” que arrumamos onde der mais jeito. Há factores de integração que são determinantes.

“Da Integração e Caracterização Formal:

Num sitio urbanisticamente por consolidar e descaracterizado, cruzamento de eixos viários cujos limites ainda são indefinidos, mais do que ser determinado pelo lugar, é importante propor uma solução que lhe dê caracter.

Optou-se, assim, por uma solução geométrica, pregnante e facilmente identificável composta por 3 diedros irregulares, construídos num espírito “brutalista”.

As qualidades formais da proposta apresentam-se dialeticamente em oposição:

  • Predominância da verticalidade em oposição a horizontalidade topográfica;
  • Equilíbrio formal dos dois esteios em contraposição à forma instável do elemento central;
  • Opacidade do volume em contraste com a abertura do pórtico;
  • Simetria e assimetria conforme os pontos de vista ao longo da rotunda

As qualidades formais de contraste, afirmam o caráter plástico da solução de forma a contribuir para uma caracterização do lugar.

Dos Significados

O mais importante numa obra de arte pública que a todos pertence, é a sua polissemia:

  • Se para uns lembra os contrafortes da arquitectura popular da região, para outros o paralelo é feito com as velas das faluas do Tejo;
  • Se para uns lembrará um abrigo, talvez aquele que foi a casa da lendária Alda Galega, para outros parecerá um simples dólmen megalítico;
  • Uns, de um lado, vêm um M de Montijo, outros, de outro lado, um A de Aldeia Galega, outros ainda um simples pórtico de entrada na cidade.

É essa diversidade de leituras que confere a força simbólica do objecto

Da Construção

Dos três elementos que compõem o conjunto, todos são em betão aparente, dois esteios ao alto, com fundações próprias e outro, fundido em estaleiro e colocado ao meio com amarração metálica.

A textura das superfícies resulta da cofragem em madeira de pinho de bons veios e aparelhada de acordo com o projecto de construção.

O conjunto salienta-se no centro da placa da rotunda, sobre-elevada e relvada”